POR UMA FUNÇÃO SOCIAL PARA A PENA
Dr. Cristiano Chaves de Farias
Toda norma jurídica se compõe de preceito e sanção - um interligado ao outro. Particularmente no Direito Penal, o preceito visa a um comando geral e abstrato, enquanto a sanção penal, igualmente imposta a todos os indivíduos (erga omnes), traz como base a supremacia estatal sobre todos, a fim de garantir a harmonia e a convivência social.
Enfim, busca-se harmonia, tranqüilidade e pacificação social por meio do sancionamento penal daquele que transgrediu a norma, praticando condutas tipificadas em lei previamente.
A pena é a característica principal do Direito Penal, tratando-se de sanção personalíssima, aplicada em conformidade com a lei e proporcional ao delito, imposta pelo Estado a quem praticou o ilícito penal, deixando antever um fim retributivo e preventivo. Já lucidamente vislumbrava, o inesquecível ANÍBAL BRUNO "a pena é um desses fatos sociais de validade universal, no tempo e no espaço, do qual nenhum povo prescinde."
A questão é mais antiga do que se pode imaginar. Muito já se discutiu, em sede doutrinária, a respeito da função e finalidade da pena. De modo geral, três grupos com diferentes teses se apresentaram: os absolutistas (para os quais a pena teria caráter único e absoluto de retribuição, realizando, assim, a justiça, existindo para restabelecer a ordem, com inspiração em KANT e HEGEL), os relativistas (entendendo ter a pena um fim útil que seria a prevenção delitógena, como um instrumento para resultados futuros, subdividindo-se em prevenção geral e prevenção especial) e, finalmente, os ecléticos, mais difundidos hodiernamente, que, conciliando as demais correntes, enxergam um cunho retributivo, porém buscando, também, a ressocialização, reeducação, do delinqüente, aplicando-se a pena quia peccatum est et ut ne peccetur. Esta teoria mista ou eclética pode ser sintetizada na máxima alemã "prevenção geral mediante retribuição justa".
De fato, não se pode negar à pena relevante função intimidatória, afinal trata-se de sanção e como ensina PAULO JOSÉ DA COSTA JR. "o direito não é apenas ação e exterioridade, mas cogitação e volição". Por outro lado, porém, é fundamental evidenciar a finalidade social da pena – rectius, a finalidade social do Direito Penal como um todo, voltando-o de forma eficaz e concreta para a sociedade que lhe incumbe regular e pacificar. Em outras palavras, a pena (e o próprio Direito Penal) deve se mostrar eficaz, cumprindo função de pacificação social, adaptada às circunstâncias de modo, tempo e lugar e aos avanços e dificuldades da sociedade.
Não mais é possível que se valha o Direito Penal do mecanismo falho, reprovado pelo tempo e rejeitado pela falta de eficiência, da pena restritiva de liberdade como instrumento primaz sancionatório.
A crise do sistema penal punitivo é notória e generalizada (rebeliões em estabelecimentos penais, reincidência criminal, aumento da criminalidade, marginalização do condenado...). Não se pode fechar os olhos para tanto e, ao revés, é preciso afastar a falsa idéia de que a retribuição para o criminoso passa pela restrição da liberdade.
Enfim, a pena de prisão tem de perder a sua atual natureza, com aplicação indistinta e genérica, sendo resguardada para casos excepcionais. Sua existência deve cingir-se, tão somente, "de pano de fundo, de ‘ameaça’. Na eventualidade de descumprimento (...) o Direito Penal - clássico - e suas sanções passam a ocupar a linha de frente", no dizer, sempre oportuno, do Prof. LUIZ FLÁVIO GOMES.
Aliás, basta a lembrança de alguns delitos, como, verbi gracia, a sonegação fiscal ou o crime de colarinho branco, para se notar o tamanho da crise. Ora, se o escopo fundamental do Direito Penal é a pacificação social (ou seja, manter íntegros os bens jurídicos tutelados), buscando o equilíbrio das relações jurídicas, uma vez imposta, nesses casos, a privação da liberdade ao agente – ao invés de aplicada sanção de reparação pecuniária do dano causado, atingindo ao lesante, de modo primacial, patrimonialmente – afigura-se-nos de clareza meridiana a frustração da finalidade social, de pacificação e proteção de bens jurídicos relevantes!!! Enfim, há evidente subversão de valores. E principalmente: com a privação de liberdade em tais hipóteses, o bem jurídico não é eficaz e concretamente defendido e protegido, quedando dilacerado.
Ora, consoante a lição do Professor ÉLIO MORSELLI, catedrático da Universidade de Perugia na Itália, a "pena é integradora, ou melhor, reintegradora dos valores fundamentais da vida coletiva, somente quando for considerada em função retributiva, ou seja, como correspondente do mal infligido pelo réu à sociedade", deixando antever a ineficácia da retribuição de sanção penal a muitas das hipóteses criminógenas tipificadas na ordem positiva.
Impõe-se, então, aguçada sensibilidade para notar que a prevenção geral e a eficácia da norma penal, em muitos casos (muito mais do que se pode pensar), passa ao largo da privação de liberdade – que, nessas hipóteses, apenas subverte a função social do Direito Penal.
Consoante a lição de JESÚS-MARIA SILVA SÁNCHEZ, deve haver uma conciliação entre os princípios preventivos da pena com os da proporcionalidade, da humanidade e ressocialização. E mais, é preciso que não se olvide a fundamental garantia da dignidade da pessoa humana, prescrita pelo art. 1º, III, da Lex Legum.
Utilizando-se indistintamente da privação de liberdade, ao invés de perseguir o equilíbrio nas relações sociais, o Direito Penal estaria incitando a vingança, voltando a eras longíquas, felizmente superadas.
O Direito Penal há de servir à sociedade, que lhe incumbe proteger e regular, e somente será eficaz e efetivo se considerar as peculiaridades e idiossincrasias típicas de cada momento e de cada povo!
É preciso (re)pensar a função social da pena – e, por via oblíqua, do Direito Penal – garantindo a sua eficácia e relevância na comunidade que lhe incumbe regular. Sendo inegável que o fim do Direito Penal é a proteção e o equilíbrio da sociedade e, mais precisamente, a defesa dos bens jurídicos básicos, individuais ou coletivos, impõe-se maior efetividade e eficácia no sancionamento penal, superando o fetichismo da privação de liberdade como solução genérica dos problemas da sociedade.
Há de se buscar uma resposta adequada a cada conduta e efetiva para a sociedade e para o próprio infrator, que se pretende ver ressocializado.
Como dispara OSWALDO HENRIQUE DUEK MARQUES, a pena "necessita passar pelo crivo da racionalidade contemporânea, impedindo que o delinqüente se torne instrumento de sentimentos ancestrais de represália e castigo. Só assim o Direito Penal poderá cumprir sua função preventiva e socalizadora, com resultados mais produtivos para a ordem social e para o próprio transgressor" (op. cit., p.110).
Para tanto, se faz mister que a escolha da (melhor) resposta penal a cada delito, se dê à luz do impacto social e pessoal conseqüente e buscando solução real, concreta, sem ilusões ou utopias. Somente assim, se aproximará da verdadeira função social da pena, afastando a sensação de impunidade – que tanto colabora para o aumento da criminalidade – ou de crueldade – que apenas corrói, em seu aspecto interno (relativo ao próprio homem), a nossa sociedade.
Dr. Cristiano Chaves de Farias
Toda norma jurídica se compõe de preceito e sanção - um interligado ao outro. Particularmente no Direito Penal, o preceito visa a um comando geral e abstrato, enquanto a sanção penal, igualmente imposta a todos os indivíduos (erga omnes), traz como base a supremacia estatal sobre todos, a fim de garantir a harmonia e a convivência social.
Enfim, busca-se harmonia, tranqüilidade e pacificação social por meio do sancionamento penal daquele que transgrediu a norma, praticando condutas tipificadas em lei previamente.
A pena é a característica principal do Direito Penal, tratando-se de sanção personalíssima, aplicada em conformidade com a lei e proporcional ao delito, imposta pelo Estado a quem praticou o ilícito penal, deixando antever um fim retributivo e preventivo. Já lucidamente vislumbrava, o inesquecível ANÍBAL BRUNO "a pena é um desses fatos sociais de validade universal, no tempo e no espaço, do qual nenhum povo prescinde."
A questão é mais antiga do que se pode imaginar. Muito já se discutiu, em sede doutrinária, a respeito da função e finalidade da pena. De modo geral, três grupos com diferentes teses se apresentaram: os absolutistas (para os quais a pena teria caráter único e absoluto de retribuição, realizando, assim, a justiça, existindo para restabelecer a ordem, com inspiração em KANT e HEGEL), os relativistas (entendendo ter a pena um fim útil que seria a prevenção delitógena, como um instrumento para resultados futuros, subdividindo-se em prevenção geral e prevenção especial) e, finalmente, os ecléticos, mais difundidos hodiernamente, que, conciliando as demais correntes, enxergam um cunho retributivo, porém buscando, também, a ressocialização, reeducação, do delinqüente, aplicando-se a pena quia peccatum est et ut ne peccetur. Esta teoria mista ou eclética pode ser sintetizada na máxima alemã "prevenção geral mediante retribuição justa".
De fato, não se pode negar à pena relevante função intimidatória, afinal trata-se de sanção e como ensina PAULO JOSÉ DA COSTA JR. "o direito não é apenas ação e exterioridade, mas cogitação e volição". Por outro lado, porém, é fundamental evidenciar a finalidade social da pena – rectius, a finalidade social do Direito Penal como um todo, voltando-o de forma eficaz e concreta para a sociedade que lhe incumbe regular e pacificar. Em outras palavras, a pena (e o próprio Direito Penal) deve se mostrar eficaz, cumprindo função de pacificação social, adaptada às circunstâncias de modo, tempo e lugar e aos avanços e dificuldades da sociedade.
Não mais é possível que se valha o Direito Penal do mecanismo falho, reprovado pelo tempo e rejeitado pela falta de eficiência, da pena restritiva de liberdade como instrumento primaz sancionatório.
A crise do sistema penal punitivo é notória e generalizada (rebeliões em estabelecimentos penais, reincidência criminal, aumento da criminalidade, marginalização do condenado...). Não se pode fechar os olhos para tanto e, ao revés, é preciso afastar a falsa idéia de que a retribuição para o criminoso passa pela restrição da liberdade.
Enfim, a pena de prisão tem de perder a sua atual natureza, com aplicação indistinta e genérica, sendo resguardada para casos excepcionais. Sua existência deve cingir-se, tão somente, "de pano de fundo, de ‘ameaça’. Na eventualidade de descumprimento (...) o Direito Penal - clássico - e suas sanções passam a ocupar a linha de frente", no dizer, sempre oportuno, do Prof. LUIZ FLÁVIO GOMES.
Aliás, basta a lembrança de alguns delitos, como, verbi gracia, a sonegação fiscal ou o crime de colarinho branco, para se notar o tamanho da crise. Ora, se o escopo fundamental do Direito Penal é a pacificação social (ou seja, manter íntegros os bens jurídicos tutelados), buscando o equilíbrio das relações jurídicas, uma vez imposta, nesses casos, a privação da liberdade ao agente – ao invés de aplicada sanção de reparação pecuniária do dano causado, atingindo ao lesante, de modo primacial, patrimonialmente – afigura-se-nos de clareza meridiana a frustração da finalidade social, de pacificação e proteção de bens jurídicos relevantes!!! Enfim, há evidente subversão de valores. E principalmente: com a privação de liberdade em tais hipóteses, o bem jurídico não é eficaz e concretamente defendido e protegido, quedando dilacerado.
Ora, consoante a lição do Professor ÉLIO MORSELLI, catedrático da Universidade de Perugia na Itália, a "pena é integradora, ou melhor, reintegradora dos valores fundamentais da vida coletiva, somente quando for considerada em função retributiva, ou seja, como correspondente do mal infligido pelo réu à sociedade", deixando antever a ineficácia da retribuição de sanção penal a muitas das hipóteses criminógenas tipificadas na ordem positiva.
Impõe-se, então, aguçada sensibilidade para notar que a prevenção geral e a eficácia da norma penal, em muitos casos (muito mais do que se pode pensar), passa ao largo da privação de liberdade – que, nessas hipóteses, apenas subverte a função social do Direito Penal.
Consoante a lição de JESÚS-MARIA SILVA SÁNCHEZ, deve haver uma conciliação entre os princípios preventivos da pena com os da proporcionalidade, da humanidade e ressocialização. E mais, é preciso que não se olvide a fundamental garantia da dignidade da pessoa humana, prescrita pelo art. 1º, III, da Lex Legum.
Utilizando-se indistintamente da privação de liberdade, ao invés de perseguir o equilíbrio nas relações sociais, o Direito Penal estaria incitando a vingança, voltando a eras longíquas, felizmente superadas.
O Direito Penal há de servir à sociedade, que lhe incumbe proteger e regular, e somente será eficaz e efetivo se considerar as peculiaridades e idiossincrasias típicas de cada momento e de cada povo!
É preciso (re)pensar a função social da pena – e, por via oblíqua, do Direito Penal – garantindo a sua eficácia e relevância na comunidade que lhe incumbe regular. Sendo inegável que o fim do Direito Penal é a proteção e o equilíbrio da sociedade e, mais precisamente, a defesa dos bens jurídicos básicos, individuais ou coletivos, impõe-se maior efetividade e eficácia no sancionamento penal, superando o fetichismo da privação de liberdade como solução genérica dos problemas da sociedade.
Há de se buscar uma resposta adequada a cada conduta e efetiva para a sociedade e para o próprio infrator, que se pretende ver ressocializado.
Como dispara OSWALDO HENRIQUE DUEK MARQUES, a pena "necessita passar pelo crivo da racionalidade contemporânea, impedindo que o delinqüente se torne instrumento de sentimentos ancestrais de represália e castigo. Só assim o Direito Penal poderá cumprir sua função preventiva e socalizadora, com resultados mais produtivos para a ordem social e para o próprio transgressor" (op. cit., p.110).
Para tanto, se faz mister que a escolha da (melhor) resposta penal a cada delito, se dê à luz do impacto social e pessoal conseqüente e buscando solução real, concreta, sem ilusões ou utopias. Somente assim, se aproximará da verdadeira função social da pena, afastando a sensação de impunidade – que tanto colabora para o aumento da criminalidade – ou de crueldade – que apenas corrói, em seu aspecto interno (relativo ao próprio homem), a nossa sociedade.
Hoje pela manhã li este artigo. Gostaria de compartilhar com vocês.
Abraços mil!!!!
Andréia
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